quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

As rosas falam...

"...Queixo-me às rosas, mas que bobagem
As rosas não falam
Simplesmente as rosas exalam
O perfume que roubam de ti, ai"

Querido Cartola,

Lamento discordar de seus versos tristes que ali exaltaram mais o amor perdido da mulher amada que a potencialidade poética das rosas...
As rosas falam, contam-nos histórias, carregam memórias e afetos.
Não precisamos destacar o que elas nos contam, em seus inúmeros significados e usos metafóricos que assumiram ao longo da experiência histórica ocidental, dos gregos aos nossos poetas do século XX.
Vou apenas destacar o que elas dizem a respeito de nossas mães e avós, que viveram em uma geração que era ecológica sem precisar de rótulos ou prêmios para isso.
No meio da couve, e da salsinha, nossas avós cultivavam suas roseiras e guardavam em saquinhos ou latinhas algumas mudas para poderem trocar com as vizinhas e parentes. Nas trocas de mudas, também trocavam conversas, experiências, recordações. Faziam chá de rosa branca para "acalmar os nervos" ou ajudar na digestão. Ofertavam rosas aos santos e às inúmeras "nossas senhoras". Eram mini rosas, rosas de penca, rosas cheirosas, rosas negras, rosas, amarelas.
O cultivo, a poda, a rega, os cuidados com pragas... compunham um rito que envolvia também um forte estilo e uma maneira própria de gestual que parece próprio também de uma forma específica assumida pelo tempo naquela época.
As minhas, são rosas compradas, de enxerto. Mas também me encantam, não talvez pela beleza apenas, mas pelas reminiscências que carregam.









AH! OS RELÓGIOS
Amigos, não consultem os relógios
quando um dia eu me for de vossas vidas
em seus fúteis problemas tão perdidas
que até parecem mais uns necrológios...

Porque o tempo é uma invenção da morte:
não o conhece a vida - a verdadeira -
em que basta um momento de poesia
para nos dar a eternidade inteira.

Inteira, sim, porque essa vida eterna
somente por si mesma é dividida:
não cabe, a cada qual, uma porção.

E os Anjos entreolham-se espantados
quando alguém - ao voltar a si da vida -
acaso lhes indaga que horas são...

Mario Quintana - A Cor do Invisível


O POETA E A ROSA(e com direito a passarinho)
Vinícius de Morais
Ao ver uma rosa branca
O poeta disse: Que linda!
Cantarei sua beleza
Como ninguém nunca ainda!
Qual não é sua surpresa
Ao ver, à sua oração
A rosa branca ir ficando
Rubra de indignação.
É que a rosa, além de branca
(Diga-se isso a bem da rosa...)
Era da espécie mais franca
E da seiva mais raivosa.
- Que foi? - balbucia o poeta
E a rosa: - Calhorda que és!
Pára de olhar para cima!
Mira o que tens a teus pés!
E o poeta vê uma criança
Suja, esquálida, andrajosa
Comendo um torrão da terra
Que dera existência à rosa.
- São milhões! - a rosa berra - Milhões a morrer de fome!
E tu, na tua vaidade Querendo usar do meu nome!...
E num acesso de ira
Arranca as pétalas, lança-as fora, como a dar comida
A todas essas crianças.
O poeta baixa a cabeça.
- É aqui que a rosa respira...
Geme o vento. Morre a rosa.
E um passarinho que ouvira
Quietinho toda a disputa
Tira do galho uma reta
E ainda faz um cocozinho
Na cabeça do poeta.