A alegria quando cada flor se abre, cada passarinho novo nos visita, cada fruto novo amadurece é imensa. A redescoberta de espécies, cheiros, cores e sabores quase esquecidos. O prazer em descobrir um broto crescendo. A possibilidade de colocar os pés descalsos na terra. Os aprendizados das mães e avós que trocavam mudas, cavucavam a terra com os dedos, cuidavam habitualmente dos vasos improvisados, como um rito, quase uma oração... são motivos para o blog!
domingo, 24 de outubro de 2010
Quando as flores se abrem
As mudas e vasos ficam no fundo do quintal até quando suas flores aparecem. No alpendre, vicam então à vista das visitas e dos filhos que quiserem levar algumas delas para enfeitar, temporariamente, suas casas.
segunda-feira, 4 de outubro de 2010
domingo, 3 de outubro de 2010
Saracura-do-mato no jardim
Descobrimos uma nova moradora aqui em casa.
Quem quiser ouvir seu canto, pode acessar o endereço: http://www.wikiaves.com.br/midias.php?tm=s&t=s&s=10274
OS POEMAS
Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam vôo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto;
alimentam-se um instante em cada
par de mãos e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti...
Mario Quintana - Esconderijos do Tempo
domingo, 19 de setembro de 2010
Fundo de quintal
É difícil saber quais são as chaves da memória capazes de permitir que os saberes, hábitos e gestos esquecidos se atualizem nos sujeitos. Mas, subitamente e para o deslumbramento de todos os seus próximos, ela retomou uma prática que lhe cabe perfeitamente como arte: o manejo da horta caseira orgânica. Combinada, é claro, com as flores, os sabiás e as abelhas.
"Dos mais antigos usos dos povos parece vir a nós como uma advertência: na aceitação daquilo que recebemos tão ricamente da natureza, guardar-nos do gesto da avidez. Pois não somos capazes de presentear à mãe Natureza nada que nos é próprio. Por isso convém mostrar reverencia no tomar, restituindo, de tudo que desde sempre recebemos, uma parte a ela, antes ainda de nos apoderar do nosso. Essa reverencia se manifesta no antigo uso da libatio. Aliás, é talvez essa mesma antiqüíssima experiência ética que se conserva, transformada, na proibição de juntar as espigas esquecidas e de recolher cachos de uva caídos, uma vez que estes fazem proveito à terra ou aos antepassados dispensadores de bênçãos. Segundo o uso ateniense, o recolher de migalhas durante a refeição era interdito, porque pertenciam aos heróis. – Uma vez degenerada a sociedade, sob desgraça e avidez, a tal ponto que ela só pode ainda receber os dons da natureza pela rapina, que ela arranca os frutos imaturos para poder trazê-los vantajosamente ao mercado e que ela tem de esvaziar toda bandeja somente para ficar saciada, sua terra empobrecerá e o campo trará más colheitas" (WALTER BENJAMIN, Rua de mão única)
quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010
As rosas falam...
"...Queixo-me às rosas, mas que bobagem
As rosas não falam
Simplesmente as rosas exalam
O perfume que roubam de ti, ai"
Querido Cartola,
Lamento discordar de seus versos tristes que ali exaltaram mais o amor perdido da mulher amada que a potencialidade poética das rosas...
As rosas falam, contam-nos histórias, carregam memórias e afetos.
Não precisamos destacar o que elas nos contam, em seus inúmeros significados e usos metafóricos que assumiram ao longo da experiência histórica ocidental, dos gregos aos nossos poetas do século XX.
Vou apenas destacar o que elas dizem a respeito de nossas mães e avós, que viveram em uma geração que era ecológica sem precisar de rótulos ou prêmios para isso.
No meio da couve, e da salsinha, nossas avós cultivavam suas roseiras e guardavam em saquinhos ou latinhas algumas mudas para poderem trocar com as vizinhas e parentes. Nas trocas de mudas, também trocavam conversas, experiências, recordações. Faziam chá de rosa branca para "acalmar os nervos" ou ajudar na digestão. Ofertavam rosas aos santos e às inúmeras "nossas senhoras". Eram mini rosas, rosas de penca, rosas cheirosas, rosas negras, rosas, amarelas.
O cultivo, a poda, a rega, os cuidados com pragas... compunham um rito que envolvia também um forte estilo e uma maneira própria de gestual que parece próprio também de uma forma específica assumida pelo tempo naquela época.
As minhas, são rosas compradas, de enxerto. Mas também me encantam, não talvez pela beleza apenas, mas pelas reminiscências que carregam.
AH! OS RELÓGIOS
Amigos, não consultem os relógios
quando um dia eu me for de vossas vidas
em seus fúteis problemas tão perdidas
que até parecem mais uns necrológios...
Porque o tempo é uma invenção da morte:
não o conhece a vida - a verdadeira -
em que basta um momento de poesia
para nos dar a eternidade inteira.
Inteira, sim, porque essa vida eterna
somente por si mesma é dividida:
não cabe, a cada qual, uma porção.
E os Anjos entreolham-se espantados
quando alguém - ao voltar a si da vida -
acaso lhes indaga que horas são...
Mario Quintana - A Cor do Invisível
O POETA E A ROSA(e com direito a passarinho)
Vinícius de Morais
Ao ver uma rosa branca
O poeta disse: Que linda!
Cantarei sua beleza
Como ninguém nunca ainda!
Qual não é sua surpresa
Ao ver, à sua oração
A rosa branca ir ficando
Rubra de indignação.
É que a rosa, além de branca
(Diga-se isso a bem da rosa...)
Era da espécie mais franca
E da seiva mais raivosa.
- Que foi? - balbucia o poeta
E a rosa: - Calhorda que és!
Pára de olhar para cima!
Mira o que tens a teus pés!
E o poeta vê uma criança
Suja, esquálida, andrajosa
Comendo um torrão da terra
Que dera existência à rosa.
- São milhões! - a rosa berra - Milhões a morrer de fome!
E tu, na tua vaidade Querendo usar do meu nome!...
E num acesso de ira
Arranca as pétalas, lança-as fora, como a dar comida
A todas essas crianças.
O poeta baixa a cabeça.
- É aqui que a rosa respira...
Geme o vento. Morre a rosa.
E um passarinho que ouvira
Quietinho toda a disputa
Tira do galho uma reta
E ainda faz um cocozinho
Na cabeça do poeta.
As rosas não falam
Simplesmente as rosas exalam
O perfume que roubam de ti, ai"
Querido Cartola,
Lamento discordar de seus versos tristes que ali exaltaram mais o amor perdido da mulher amada que a potencialidade poética das rosas...
As rosas falam, contam-nos histórias, carregam memórias e afetos.
Não precisamos destacar o que elas nos contam, em seus inúmeros significados e usos metafóricos que assumiram ao longo da experiência histórica ocidental, dos gregos aos nossos poetas do século XX.
Vou apenas destacar o que elas dizem a respeito de nossas mães e avós, que viveram em uma geração que era ecológica sem precisar de rótulos ou prêmios para isso.
No meio da couve, e da salsinha, nossas avós cultivavam suas roseiras e guardavam em saquinhos ou latinhas algumas mudas para poderem trocar com as vizinhas e parentes. Nas trocas de mudas, também trocavam conversas, experiências, recordações. Faziam chá de rosa branca para "acalmar os nervos" ou ajudar na digestão. Ofertavam rosas aos santos e às inúmeras "nossas senhoras". Eram mini rosas, rosas de penca, rosas cheirosas, rosas negras, rosas, amarelas.
O cultivo, a poda, a rega, os cuidados com pragas... compunham um rito que envolvia também um forte estilo e uma maneira própria de gestual que parece próprio também de uma forma específica assumida pelo tempo naquela época.
As minhas, são rosas compradas, de enxerto. Mas também me encantam, não talvez pela beleza apenas, mas pelas reminiscências que carregam.
AH! OS RELÓGIOS
Amigos, não consultem os relógios
quando um dia eu me for de vossas vidas
em seus fúteis problemas tão perdidas
que até parecem mais uns necrológios...
Porque o tempo é uma invenção da morte:
não o conhece a vida - a verdadeira -
em que basta um momento de poesia
para nos dar a eternidade inteira.
Inteira, sim, porque essa vida eterna
somente por si mesma é dividida:
não cabe, a cada qual, uma porção.
E os Anjos entreolham-se espantados
quando alguém - ao voltar a si da vida -
acaso lhes indaga que horas são...
Mario Quintana - A Cor do Invisível
O POETA E A ROSA(e com direito a passarinho)
Vinícius de Morais
Ao ver uma rosa branca
O poeta disse: Que linda!
Cantarei sua beleza
Como ninguém nunca ainda!
Qual não é sua surpresa
Ao ver, à sua oração
A rosa branca ir ficando
Rubra de indignação.
É que a rosa, além de branca
(Diga-se isso a bem da rosa...)
Era da espécie mais franca
E da seiva mais raivosa.
- Que foi? - balbucia o poeta
E a rosa: - Calhorda que és!
Pára de olhar para cima!
Mira o que tens a teus pés!
E o poeta vê uma criança
Suja, esquálida, andrajosa
Comendo um torrão da terra
Que dera existência à rosa.
- São milhões! - a rosa berra - Milhões a morrer de fome!
E tu, na tua vaidade Querendo usar do meu nome!...
E num acesso de ira
Arranca as pétalas, lança-as fora, como a dar comida
A todas essas crianças.
O poeta baixa a cabeça.
- É aqui que a rosa respira...
Geme o vento. Morre a rosa.
E um passarinho que ouvira
Quietinho toda a disputa
Tira do galho uma reta
E ainda faz um cocozinho
Na cabeça do poeta.
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